O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) reúne desordens do desenvolvimento neurológico presentes desde o nascimento ou começo da infância. São elas: Autismo Infantil Precoce, Autismo Infantil, Autismo de Kanner, Autismo de Alto Funcionamento, Autismo Atípico, Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra especificação, Transtorno Desintegrativo da Infância e a Síndrome de Asperger.
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5 (referência mundial de critérios para diagnósticos), pessoas dentro do espectro podem apresentar déficit na comunicação social ou interação social (como nas linguagens verbal ou não verbal e na reciprocidade socioemocional) e padrões restritos e repetitivos de comportamento, como movimentos contínuos, interesses fixos e hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais. Todos os pacientes com autismo partilham estas dificuldades, mas cada um deles será afetado em intensidades diferentes, resultando em situações bem particulares. Apesar de ainda ser chamado de autismo infantil, pelo diagnóstico ser comum em crianças e até bebês, os transtornos são condições permanentes que acompanham a pessoa por todas as etapas da vida.
Entenda
As
causas do TEA não são totalmente conhecidas, e a pesquisa
científica sempre concentrou esforços no estudo da predisposição
genética, analisando mutações espontâneas que podem ocorrer no
desenvolvimento do feto e a herança genética passada de pais para
filhos. No entanto, já há evidências de que as causas hereditárias
explicariam apenas metade do risco de desenvolver TEA. Fatores
ambientais que impactam o feto, como estresse, infecções, exposição
a substâncias tóxicas, complicações durante a gravidez e
desequilíbrios metabólicos teriam o mesmo peso na possibilidade de
aparecimento do distúrbio.
O
TEA afeta o comportamento do indivíduo, e os primeiros sinais podem
ser notados em bebês de poucos meses. No geral, uma criança do
espectro autista apresenta os seguintes sintomas:
Dificuldade
para interagir socialmente, como manter o contato visual, expressão
facial, gestos, expressar as próprias emoções e fazer amigos;
Dificuldade
na comunicação, optando pelo uso repetitivo da linguagem e
bloqueios para começar e manter um diálogo;
Alterações
comportamentais, como manias, apego excessivo a rotinas, ações
repetitivas, interesse intenso em coisas específicas, dificuldade de
imaginação e sensibilidade sensorial (hiper ou hipo).
O
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5
rotula estes distúrbios como um espectro justamente por se
manifestarem em diferentes níveis de intensidade. Uma pessoa
diagnosticada como de grau 1 de suporte apresenta prejuízos leves,
que podem não a impedir de estudar, trabalhar e se relacionar. Um
indivíduo com grau 2 de suporte tem um menor grau de independência
e necessita de algum auxílio para desempenhar funções cotidianas,
como tomar banho ou preparar a sua refeição. Já o autista com grau
3 de suporte vai manifestar dificuldades graves e costuma precisar de
apoio especializado ao longo da vida.
Por
outro lado, o diagnóstico de TEA pode ser acompanhado de habilidades
impressionantes, como facilidade para aprender visualmente, muita
atenção aos detalhes e à exatidão; capacidade de memória acima
da média e grande concentração em uma área de interesse
específica durante um longo período de tempo.
Cada
indivíduo dentro do espectro vai desenvolver o seu conjunto de
sintomas variados e características bastante particulares. Tudo isso
vai influenciar como cada pessoa se relaciona, se expressa e se
comporta.
Diagnóstico
Os
primeiros sinais do Transtorno do Espectro Autista são visíveis em
bebês, entre 1 e 2 anos de vida, embora possam ser detectados antes
ou depois disso, caso os atrasos de desenvolvimento sejam mais sérios
ou mais sutis, respectivamente. A partir dos 12 meses, as crianças
autistas não apontam com o dedinho, demonstram mais interesse nos
objetos do que nas pessoas, não mantêm contato visual efetivo e não
olham quando chamadas. É importante destacar os raros casos de
regressão do desenvolvimento, identificados comumente após ao menos
2 anos de desenvolvimento típico (denominado anteriormente como
transtorno desintegrativo da infância).
Por
volta dos 18 meses já é possível realizar uma avaliação com um
profissional especializado, como um neuropediatra ou psiquiatra
pediátrico. O diagnóstico do autismo é feito por observação
direta do comportamento e uma entrevista com os pais e cuidadores,
que pode incluir o teste com a escala M-CHAT.
A
confirmação costuma acontecer quando criança possui as
características principais do autismo: deficiências sociais,
dificuldades de comunicação, interesses restritos, fixos e intensos
e comportamentos repetitivos (também chamados de estereotipias). A
condição pode se apresentar em distintos graus, o que faz com que
os sinais também possam ter essas variações. Em casos de autismo
leve, por exemplo, o transtorno pode demorar mais tempo para ser
diagnosticado, pois costuma ser confundido com outros comportamentos,
como timidez, excentricidade ou falta de atenção.
O
DSM-5 também reconhece que indivíduos afetados pelo TEA podem
apresentar sintomas associados em diferentes graus, como uma
habilidade cognitiva fora do normal (para mais ou para menos),
atrasos de linguagem ou alta habilidade de linguagem expressiva,
surtos nervosos e agressividade, padrões de início, além de outras
condições associadas.
O
diagnóstico permite que a criança receba um tratamento
personalizado de acordo com as particularidades do seu quadro. Com o
acompanhamento médico multidisciplinar, os sintomas tendem a ser
amenizados ao longo da vida, melhorando a qualidade de vida do
indivíduo e da sua família.
Tratamento
Até
o momento, não há remédios específicos para tratar o autismo,
embora esta seja uma prioridade das pesquisas, com diferentes
medicamentos em teste. O acompanhamento médico multidisciplinar,
composto por pediatra, psiquiatra, neurologista, psicólogo e
fonoaudiólogo, entre outros, é o tratamento mais recomendado para
ajudar no desenvolvimento da criança autista. A conduta indicada vai
depender da intensidade do distúrbio e da idade do paciente e deve
ser decidido junto aos pais.
Em
linhas gerais, o tratamento associa diferentes terapias para testar e
melhorar as habilidades sociais, comunicativas, adaptativas e
organizacionais. A rotina de cuidados pode incluir exercícios de
comunicação funcional e espontânea; jogos para incentivar a
interação com o outro; aprendizado e manutenção de novas
habilidades; e o apoio a atitudes positivas para contrapor problemas
de comportamento. É muito popular a adoção das abordagens
terapêuticas Análise Aplicada do Comportamento (conhecido como
método ABA) e Terapia Cognitivo-Comportamental.
Frequentemente,
as terapias são combinadas com remédios para tratar condições
associadas, como insônia, hiperatividade, agressividade, falta de
atenção, ansiedade, depressão e comportamentos repetitivos. As
avaliações são realizadas a cada 3 ou 6 meses para entender a
necessidade de mudanças na abordagem ou intensidade do tratamento.
Outro
elemento essencial no tratamento é o treinamento com os pais. O
contexto familiar é fundamental no aprendizado de habilidades
sociais e o trabalho com os pais traz grandes benefícios no reforço
de comportamentos adequados. Também é comum que os profissionais
que tratam a criança indiquem acompanhamento psicológico para a
família, devido ao desgaste emocional que o distúrbio pode
provocar.
MARCOS
HISTÓRICOS
O
termo autismo foi criado em 1908 pelo psiquiatra suíço Eugen
Bleuler para descrever a fuga da realidade para um mundo interior
observado em pacientes esquizofrênicos. Veja abaixo outros pontos
fundamentais da história do autismo.
1943
- O psiquiatra Leo Kanner publica a obra “Distúrbios Autísticos
do Contato Afetivo”, descrevendo 11 casos de crianças com “um
isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela
preservação da mesmices”. Ele usa o termo “autismo infantil
precoce”, pois os sintomas já eram evidentes na primeira infância,
e observa que essas crianças apresentavam maneirismos motores e
aspectos não usuais na comunicação, como a inversão de pronomes e
a tendência ao eco.
1944
- Hans Asperger escreve o artigo “A psicopatia autista na
infância”, destacando a ocorrência preferencial em meninos, que
apresentam falta de empatia, baixa capacidade de fazer amizades,
conversação unilateral, foco intenso e movimentos descoordenados.
As crianças são chamadas de pequenos professores, devido à
habilidade de discorrer sobre um tema detalhadamente. Como seu
trabalho foi publicado em alemão na época da guerra, o relato
recebeu pouca atenção e, só em 1980, foi reconhecido como um
pioneiro no segmento.
1952
- A Associação Americana de Psiquiatria publica a primeira edição
do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais DSM-1.
Referência mundial para pesquisadores e clínicos do segmento, este
manual fornece as nomenclaturas e os critérios padrão para o
diagnóstico dos transtornos mentais estabelecidos. Nesta primeira
edição, os diversos sintomas de autismo eram classificados como um
subgrupo da esquizofrenia infantil, não sendo entendido como uma
condição específica e separada.
Anos
50 e 60 - Durante os anos 50, houve muita confusão sobre a natureza
do autismo, e a crença mais comum era de que o distúrbio seria
causado por pais emocionalmente distantes (hipótese da “mãe
geladeira”, criada por Leo Kanner). No entanto, nos anos 60,
crescem as evidências sugerindo que o autismo era um transtorno
cerebral presente desde a infância e encontrado em todos os países
e grupos socioeconômicos e étnico-raciais. Leo Kanner tentou se
retratar e, mais tarde a teoria mostrou-se totalmente infundada.
1965
- Diagnosticada com Síndrome de Asperger, Temple Grandin cria a
“Máquina do Abraço”, aparelho que simulava um abraço e
acalmava pessoas com autismo. Ela revolucionou as práticas de abate
para animais e suas técnicas e projetos de instalação são
referências internacionais. Além de prestar consultoria para a
indústria pecuária em manejo, instalações e cuidado de animais,
Temple Grandin ministra palestras pelo mundo todo, explicando a
importância de ajudar crianças com autismo a desenvolver suas
potencialidades.
1978
- O psiquiatra Michael Rutter classifica o autismo como um distúrbio
do desenvolvimento cognitivo, criando um marco na compreensão do
transtorno. Ele propõe uma definição com base em quatro critérios:
atraso
e desvio sociais não só como deficiência intelectual;
problemas
de comunicação não só em função de deficiência intelectual
associada;
comportamentos
incomuns, tais como movimentos estereotipados e maneirismos; e
início
antes dos 30 meses de idade.
1980
- A definição inovadora de Michael Rutter e a crescente produção
de pesquisas científicas sobre o autismo influenciam a elaboração
do DSM-3. Nesta edição do manual, o autismo é reconhecido pela
primeira vez como uma condição específica e colocado em uma nova
classe, a dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID). Este
termo reflete o fato de que múltiplas áreas de funcionamento do
cérebro são afetadas pelo autismo e pelas condições a ele
relacionadas.
1981
- A psiquiatra Lorna Wing desenvolve o conceito de autismo como um
espectro e cunha o termo Síndrome de Asperger, em referência à
Hans Asperger. Seu trabalho revolucionou a forma como o autismo era
considerado, e sua influência foi sentida em todo o mundo. Como
pesquisadora e clínica, bem como mãe de uma criança autista, ela
defendeu uma melhor compreensão e serviços para indivíduos com TEA
e suas famílias. Fundou a National Autistic Society, juntamente com
Judith Gold, e o Centro Lorna Wing.
1988
- Sucesso de bilheteria, Rain Man torna-se um dos primeiros filmes
comerciais a caracterizar um personagem com autismo. Embora o filme
tenha sido fundamental para aumentar a conscientização e
sensibilizar a opinião pública sobre o transtorno, ele também
contribuiu para a interpretação incorreta de que todas as pessoas
com TEA também possuem habilidades “savant” (disfunção
cerebral rara em que a pessoa apresenta aptidões altamentes
desenvolvidas em certas áreas).
1994
- Novos critérios para o autismo foram avaliados em um estudo
internacional multicêntrico, com mais de mil casos analisados por
mais de 100 avaliadores clínicos. Os sistemas do DSM-4 e da CID-10
(Classificação Estatística Internacional de Doenças) tornaram-se
equivalentes para evitar confusão entre pesquisadores e clínicos. A
Síndrome de Asperger é adicionada ao DSM, ampliando o espectro do
autismo, que passa a incluir casos mais leves, em que os indivíduos
tendem a ser mais funcionais.
1998
- A revista Lancet publicou um artigo do cientista Andrew Wakefield,
no qual afirmava que algumas vacinas poderiam causar autismo. Este
estudo foi totalmente desacreditado por outros cientistas e
descartado. Em maio de 2014, o cientista perdeu seu registro médico.
A revista Lancet também se retratou e retirou o estudo de seus
arquivos pela falta de comprovação dos resultados. Mais de 20
estudos seguintes mostraram que a associação da vacina ao autismo
não tem fundamento. Saiba mais no blog.
2007
- A ONU instituiu o dia 2 de abril como o Dia Mundial da
Conscientização do Autismo para chamar atenção da população em
geral para importância de conhecer e tratar o transtorno, que afeta
cerca de 70 milhões de pessoas no mundo todo, segundo a Organização
Mundial de Saúde. Em 2018, o 2 de abril passa a fazer parte do
calendário brasileiro oficial como Dia Nacional de Conscientização
sobre o Autismo.
2012
- É sancionada, no Brasil, a Lei Berenice Piana (12.764/12), que
instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa
com Transtorno do Espectro Autista. Este foi um marco legal relevante
para garantir direitos aos portadores de TEA. A legislação
determina o acesso a um diagnóstico precoce, tratamento, terapias e
medicamento pelo Sistema Único de Saúde; à educação e à
proteção social; ao trabalho e a serviços que propiciem a
igualdade de oportunidades.
2013
- O DSM-5 passa a abrigar todas as subcategorias do autismo em um
único diagnóstico: Transtorno do Espectro Autista (TEA). Os
indivíduos são agora diagnosticados em um único espectro com
diferentes níveis de gravidade. A Síndrome de Asperger não é mais
considerada uma condição separada e o diagnóstico para autismo
passa a ser definido por dois critérios: as deficiências sociais e
de comunicação e a presença de comportamentos repetitivos e
estereotipados.
2014
- O maior estudo já realizado sobre as causas do autismo revelou que
os fatores ambientais são tão importantes quanto a genética para o
desenvolvimento do transtorno. Isto contrariou estimativas
anteriores, que atribuíam à genética de 80% a 90% do risco do
desenvolvimento de TEA. Foram acompanhadas mais de 2 milhões de
pessoas na Suécia entre 1982 e 2006, com avaliação de fatores como
complicações no parto, infecções sofridas pela mãe e o uso de
drogas antes e durante a gravidez.
2015
- A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(13.145/15) cria o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que aumenta a
proteção aos portadores de TEA ao definir a pessoa com deficiência
como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial”. O Estatuto é um símbolo
importante na defesa da igualdade de direitos dos deficientes, do
combate à discriminação e da regulamentação da acessibilidade e
do atendimento prioritário.
2020
- Entra em vigor a Lei 13.977, conhecida como Lei Romeo Mion. O texto
cria a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do
Espectro Autista (Ciptea), emitida de forma gratuita, sob
responsabilidade de estados e municípios. O documento é um
substituto para o atestado médico e tem o papel de facilitar o
acesso a direitos previstos na Lei Berenice Piana.
2022
- A nova versão da Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, a CID 11, segue o que
foi proposto no DSM-V, e passa a adotar a nomenclatura Transtorno do
Espectro do Autismo para englobar todos os diagnósticos
anteriormente classificados como Transtorno Global do
Desenvolvimento.